A garota dinamarquesa

Autores

  • Clarice Sobolh Topczewski

Palavras-chave:

garota dinamarquesa, transexualidade

Resumo

Delicadeza, compreensão, diversidade, luto, transformação, sofrimento, complexidade, determinação, desejo, generosidade... são  palavras, dentre muitas mais,  que caracterizam  o filme A garota dinamarquesa, produzido em 2015, dirigido por Tom Hooper e estrelado por Eddie Redmayne e Alicia Vikander.  Ambos estupendos em suas atuações.

Adaptado do livro de David Ebershoff com o mesmo título, baseia-se numa história verídica, ocorrida em 1926, em Copenhagen e Paris.

Vale ressaltar que a década de 1920 na Europa foi bastante tumultuada pelas transformações nos costumes. Entre outras mudanças, as mulheres puderam abandonar os espartilhos, cortar os cabelos na altura do queixo, pintar os lábios de vermelho, fumar em público. Mas ainda era um tempo em que a sexualidade era tratada como tabu.

Nesse sentido, o que dizer da transexualidade que, até os dias de hoje, apesar de não ser mais catalogada como um transtorno da sexualidade no DSM-V (Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders – quinta edição), ainda é considerada uma patologia, aparecendo nesta classificação de doenças mentais, como uma disforia de gênero. Considerando a importância deste compêndio para a comunidade   médica, que  influência ele pode ter em outros segmentos sociais? 

De forma romanceada, com uma beleza estética tocante, o filme nos mostra o processo de transformação de Einar em Lili. Cenas de muita sensibilidade emocionam sem em nenhum momento parecerem vulgares. O prazer crescente em se olhar como fêmea, a erotização do próprio corpo, a observação ávida e o “estudo” que faz dos movimentos e atitudes de outras mulheres não deixam dúvidas de que estamos diante de uma mulher. Uma mulher profundamente sensual. Uma mulher que sangra pelo nariz, já que não possui os atributos fisiológicos para fazê-lo pelas vias naturais.

Embora resolva com certa rapidez seu conflito de gênero, pois logo compreende seu real desejo de ser uma mulher, tudo não se passa sem sofrimento e sem tentativas frustradas de parecer um homem, dividido entre seu desejo e seu amor por sua esposa Gerda. Também com muito medo. Pois tudo lhe era totalmente desconhecido.

Sem muita ênfase, o preconceito social é abordado no filme, a partir do estranhamento das pessoas do seu meio ao aparecer travestido numa festa e da agressão física que Einar, ainda não totalmente assumido como Lili, sofre na rua. Isto não nos surpreende, já que, até hoje, a homofobia é uma realidade em pauta. E nos leva a questionar até que ponto podemos compreender e acolher a complexidade e a dificuldade de muitos para suportar e aceitar o diferente, ou mesmo as várias possibilidades de construção de identidade do ser humano?   

Einar e Gerda se apresentam como um casal simétrico, apaixonado, que se diverte e mantém uma relação bastante permeada pelo erotismo. Os dois são artistas plásticos, pintores. Ele, de paisagens, ela, retratista. Ele faz muito sucesso, circulando no ambiente artístico entre homens com muita desenvoltura. Ela se esforça em vão para ser reconhecida por sua arte. Não há competição entre ambos, mas uma relação de ajuda mútua, tanto na vida cotidiana como na profissional.

Mas o que chama atenção é justamente a ambiguidade de Gerda. É ela que propõe o jogo de se trajar de mulher para Einar. Em alguns momentos, mostra-se excitada sexualmente, chegando a manter relações com ele vestido em sua camisola. Também vive o luto emocional por ter perdido o marido. Tem crises de choro, cobra de Lili o contato físico, se ressente por passar a frequentar festas sozinha. Por outro lado, ganha o modelo para suas pinturas, que faz com que ela finalmente alcance o sucesso. Lili passa a posar para ela, que a retrata com sensualidade e erotismo, provocando a curiosidade de todos sobre quem seria a musa de suas criações. De certa forma, fica no ar a sugestão de que Gerda seria bissexual ou lésbica.

Mas consideremos que, se em 1920, amar alguém transgênero, representaria uma transgressão passível de punição social, hoje, na pós-modernidade, discute-se que a partir da variabilidade humana também pode ocorrer o desejo transexual – interesse sexual por corpos transgêneros.

Assim, a relação do casal passa a ser de uma amizade irrestrita. E é Gerda que compreende e ajuda Einar/Lili na difícil jornada de se tornar mulher.

Na árdua tarefa de solução do “problema”,  enfrentam juntos alguns “tratamentos”  médicos bastante agressivos, mas logo entendem que não se trata de uma doença e rejeitam a visão patologizante da transexualidade.

Apesar de devidamente informada pelo médico, mas, na esperança de ver seu desejo realizado, Lili se submete a cirurgias de redesignação de sexo, que, na época, nunca tinham tido sucesso, pois levaram a morte todos que tentaram. Será que se ela vivesse na atualidade, se absteria de realizar a mudança de sexo, rejeitando a visão binária (ou homem ou mulher), única possível na época?

Em seu último devaneio, ela se vê no colo de sua mãe que a chama de Lili. Morre feliz, sentindo-se realizada em sua verdadeira identidade de gênero.

Na vida real, tornou-se uma figura transexual histórica.

 

 

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Como Citar

Topczewski, C. S. (2016). A garota dinamarquesa. Nova Perspectiva Sistêmica, 25(55), 110–111. Recuperado de https://revistanps.com.br/nps/article/view/139

Edição

Seção

Conversando com a Mídia