Star Wars: o despertar da força

Autores

  • Bruno Lenzi

Resumo

Com a estreia de um novo Star Wars vem um convite que preciso aceitar, em colocar os meus pensamentos e reflexões sobre esta saga, seus heróis e suas jornadas. Por muitos anos tenho acompanhado a produção da saga e do mito, sempre em diálogo com Joseph Campbell e o conhecimento da jornada do herói. Com o episódio VII da saga, surgem reflexões e a oportunidade de embarcarmos na nossa jornada mítica. É um momento de tumulto no contexto das personagens, o medo, a repressão, a ganância e o controle estão presentes no cotidiano.

Uma figura sinistra, apoiada por um regime totalitarista, lidera o movimento de extinção das diferenças, em prol da homogeneidade social. Uma batalha entre o orgânico e o mecânico, a tecnologia contra a natureza. Contra esta força, um grupo de resistência batalha pela liberdade, pela democracia e pela heterogeneidade. Estas são as forças motoras e opostas em jogo: a ordem pelo medo, representada pela Primeira Ordem e a liberdade pela democracia, representada pela Resistência da República.

É neste momento e contexto que uma figura humilde, de vida simples que é desafiada a participar de algo maior que ele, o início de sua jornada mítica. O herói precisa escolher algo que ele nunca tinha imaginado para si, naturalmente ele resiste, tem medo, acredita que não faz parte do fluxo do universo, está à margem e impotente. Mas através de sua conexão com os outros, de sua compaixão, ele encontra companheiros e dá os primeiros passos em direção à aventura.

Logo a missão se apresenta como vital à sobrevivência da galáxia e novamente o herói se percebe impotente frente a tamanho compromisso. Este é o momento para o encontro com o mestre ancião, um velho marcado pelo tempo, de humor fácil. O mestre inspira o herói com histórias de grandes aventuras, de como todos estamos conectados no universo, de um poder especial, que nos faz maiores que nós mesmos, que pode ser usado para o bem, ou para o mal. Mas é apenas com o choque de realidade, de que tudo o que o herói conhece e ama será destruído, que ele se liberta do medo.

A partir deste momento o herói desenvolve habilidades e finalmente se encontra com sua sombra, um herói caído, seduzido pelo caminho mais fácil, de controle e medo. Como lição final o mestre atua com amor perante a sombra e se sacrifica pelo herói. Mesmo em luto pela perda de seu mestre, o herói precisa enfrentar a sombra e aprender com ela. A sombra é tentadora, ela oferece poderes inimagináveis ao herói, busca corrompe-lo e converte-lo para a escuridão, reprimindo sua humanidade, sua compaixão e sentimentos, pela promessa de ordem e paz. O herói é tentado, mas o sacrifício do mestre o encoraja a escolher pelo caminho da luz. Ele preserva sua humanidade e atua com compaixão. Ele dissolve as trevas com sua luz. Transbordado de amor, esperança e confiança o herói sai do encontro elevado, transformado. Ele agora alcançou um novo conhecimento, que traz esperança para o desenvolvimento de todos, em um compromisso com o todo.

Se a leitura inspira ou causa medo e recusa, é por que todos nós vivemos diariamente os convites, recusas e aceites às aventuras míticas que compõem nossas vidas.

Em uma escala cinematográfica, a saga Star Wars, trata de pessoas simples, humildes, sem poderes especiais, como qualquer um de nós e de como podemos nos desenvolver em nossas jornadas. Quando estamos atentos ao nosso contexto podemos perceber os convites que recebemos, refletir sobre o quão nos sentimos preparados para embarcar naquela aventura, se fazemos parte do todo, ou se ainda nos sentimos a margem dos grandes acontecimentos humanos. Quando, através de nossa compaixão, pudermos escolher por nos conectarmos aos outros a nossa volta e nos percebermos como parte vital da vida terrena, estaremos dando os primeiros passos na nossa jornada mítica.

O que esperar daí?

Nesta jornada encontramos as pessoas mais especiais, nos misturamos a elas, passamos a fazer parte de um sistema diferente, comprometido com a sustentabilidade e com o amor. Encontramos grandes mestres, cheios de conhecimento e histórias, que nos elevam e inspiram a continuarmos nosso árduo movimento de convite, de contágio, a outros heróis em seguir suas jornadas.

Mas, principalmente, somos incentivados a encontrar com nossas sombras. Estes momentos transformadores, quando somos tentados a desviar do nosso caminho, em que o mais fácil seria ceder à nossa raiva e medo, de agredir ao próximo, de marginalizar a diferença, de reprimir a liberdade. Deparamo-nos nestes encontros com nossas sombras todos os dias, quando escolhemos não educar a criança pela palmada, quando nos esforçamos para não agredir ninguém no transito, quando nos comprometemos a não sermos corruptos, a não encontrar jeitinhos para as situações desafiantes (às vezes nem tanto) de nossas vidas.

Acredito que quando estamos caminhando pela luz, acompanhados por nossos mestres, podemos construir conhecimentos libertadores destas práticas violentas e corruptas. Remeto-me a minha jornada, quando conheci Harlene Anderson e os conhecimentos da terapia colaborativa e da postura dialógica (Anderson, 2009). Foi um momento de difícil escolha, me afastar de práticas de saber especializado, para me aproximar de seres humanos, como outro ser humano, com compaixão e esperança.

Em minha jornada, constantemente invoco a voz desta mestre para iluminar minhas escolhas. Estou comprometido com uma prática de amor, que preza pelos relacionamentos humanos como locais de transformação. Que acredita e confia no processo das pessoas, sem querer guiar o processo a partir dos meus significados, aberto para a jornada do outro, como um companheiro, alguém com quem se comprometer com as transformações necessárias para o desenvolvimento.

Esta voz está sempre comigo, em minha imaginação, ela e muitas outras vozes, pessoas importantes e pensamentos constantes com quem dialogo para a construção de minha identidade e posicionamentos. São os personagens internos de Telma Lenzi (2013), que são tão companheiros de nossas jornadas quanto as pessoas com quem nos conectamos. Podemos identificar estas vozes, as principais, que nos acompanham no cotidiano, por exemplo, é fácil perceber em mim uma voz de repressão, que me culpa pelas minhas falhas, uma voz que chamo de general, ela me seduz a agir de forma a controlar meu contexto, para que possa ter o melhor resultado em cada situação. Esta é uma voz a se questionar, ela me coloca em um caminho complexo de fins justificando meios, individualista na crença de que eu saberia qual o melhor fim a ser alcançado. Para dialogar com esta voz construí outro personagem interno: o mestre interior (como aquele ancião verde do filme?), uma voz que me coloca em um caminho de esperança e amor, que acredita no desenvolvimento dos processos, que é fascinado por acompanhar estes processos, apreciando cada desenvolvimento, cada transformação. Esta voz convida o general para o diálogo, entendendo seus medos e aceitando suas coerências históricas. Com amor, eu dissolvo meus medos e me afirmo em um caminho mais social de transformação com meus companheiros de jornada, sejam eles meus familiares, amigos, estudantes e clientes. Há de confiar que cada um deles se desenvolverá da melhor forma, se eu estiver participando com minha colaboração, curiosidade e fé em seus processos. Quando nos engajamos às nossas vozes internas, quando encontramos diálogo privado, desenvolvemos o conhecimento de nós mesmos, elevamos nossa percepção de recursos pessoais, como em um estado meditativo, encontramos paz e sabedoria em nossas escolhas.

No diálogo externo, com as pessoas que encontro em meu cotidiano, exploramos nossas histórias, desenvolvemos o conhecimento de si, do outro e do mundo, de forma a empodera-las de suas autorias sobre suas histórias e as contagiar de esperança para novos movimentos, sempre norteados pela paz e compaixão por quem será participante destas ações. Esta é uma prática política, de buscar o seu desenvolvimento, enquanto facilita o desenvolvimento do seu universo.

Lembro-me da história da árvore, que se nutre através da fotossíntese, ingerindo gás carbônico e expelindo precioso oxigênio, que se reproduz usando frutos, nutrindo, por sua vez, outros seres vivos. A árvore é um ser político, ela busca seu desenvolvimento enquanto facilita o desenvolvimento da vida ao seu redor. Se, em nossas jornadas, pudermos ser tão bons quanto uma árvore, já estaremos fazendo grande diferença no nosso mundo.

Se a vida inspira a arte, podemos acreditar que a arte inspira a vida em retorno. Este início de uma nova aventura da saga Star Wars inspira uma nova geração a estarem atentos aos convites para suas aventuras, a se conectarem com seus companheiros de jornada, a encontrarem seus mestres disfarçados e se comprometerem ao desenvolvimento que eles facilitam para, então, desenvolverem seu conhecimento e vozes internas que o acompanharão no diálogo interno para a construção do enfrentamento de suas sombras e desafios, para se encontrarem com conceitos de compaixão, esperança e liberdade, transbordando de luz e dissolvendo as sombras que nos tentam aos caminhos mais fáceis e irresponsáveis de ação no mundo.

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Referências

Abrams, J.J. (2015). Star Wars: The Force Awakens [filme]. Estados Unidos, 2015. Com Daisy Ridley, John Boyega, Oscar Isaac, Adam Driver, Harrison Ford, Carrie Fisher, Mark Hamill.

Anderson, H. (2009). Conversação, linguagem e possibilidades: um enfoque pós-moderno da terapia. São Paulo: Roca.

Lenzi, T. P. (2013). Personagens internos. Nova Perspectiva Sistêmica, 47, 86-98.

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Publicado

09/19/2016

Como Citar

Lenzi, B. (2016). Star Wars: o despertar da força. Nova Perspectiva Sistêmica, 25(54), 119–121. Recuperado de https://revistanps.com.br/nps/article/view/170

Edição

Seção

Conversando com a Mídia